domingo, 15 de dezembro de 2013

A carta de S.A.I.R. Dom Luiz de Orleans e Bragança aos constituintes de 1987

Tendo notado a curiosidade de diversos monarquistas e historiadores com relação a esse famoso documento, decidimos divulgar, na íntegra, a carta que o Príncipe Dom Luiz, nosso augusto Chefe da Casa Imperial do Brasil, enviou aos membros da Assembleia Constituinte que preparava a atual Constituição Brasileira, no dia 7 de setembro de 1987 – o 165º aniversário da Proclamação da Independência do Brasil, pelo Imperador Dom Pedro I (1798-1834), às margens do Ipiranga.
Essa carta é um documento de grande importância histórica. O Príncipe Dom Luiz a escreveu num momento em que o Brasil, saindo dos tempos sombrios da Ditadura Militar, buscava garantir a seu povo plena liberdade política. Ora, até mesmo os comunistas, adeptos de doutrinas cruéis, ditatoriais e assassinas que obtiveram apenas fracasso em todo o Mundo, passaram a ser livres para defender suas ideias – que pregavam nada mais do que convulsões sociais e derramamento de sangue.

Se isso estava acontecendo, por que os monarquistas, defensores do Regime que mais se aproxima da boa ordem posta por Deus Nosso Senhor na Criação, o Regime que vigora nos países mais democráticos, ricos e desenvolvidos do Mundo, não poderiam, de forma livre e dentro da lei, difundir seu benfazejo ideal de Restauração da Monarquia entre os brasileiros das mais diferentes raças, crenças e classes sociais?

Como é sabido, os monarquistas brasileiros estavam amordaçados pela famigerada Cláusula Pétrea, que, desde a Constituição de 1891, impedia qualquer tipo de manifestação daqueles que defendiam a Forma de Governo que, ao longo de todo o Império, deu estabilidade, progresso e felicidade ao Brasil e seu grandioso povo.

Assim sendo, o Príncipe Dom Luiz – homem de enormes e inegáveis sabedoria, estaturas moral e cristã, e amor pelo Brasil – tomou a iniciativa de escrever aos membros da Assembleia Constituinte, narrando todo o inestimável serviço que a Família Imperial continuou a prestar ao Brasil após o Golpe Militar e Positivista que proclamou a República Brasileira, para que com isso, fosse reconhecido aos monarquistas – homens e mulheres honrados, defensores e cultivadores do mais importantes valores e tradições de nossa Pátria – o direito de lutar por seus ideais. Além disso, Sua Alteza Imperial e Real ofereceu aos membros da Assembléia generosos conselhos com relação ao Brasil, que recém-saído dos “Anos de Chumbo”, já se via ameaçado pela sombria e sedenta mão do Comunismo. Os conselhos dados por nosso venerável Príncipe tinham como único objetivo manter o Brasil no rumo em que a Divina Providência o havia colocado, para que assim nosso amado País alcançasse o topo do Concerto das Nações, cumprindo-se a vocação cristã desta Terra de Santa Cruz.

Sem dúvidas, é graças a essa carta, e, por consequência direta, graças ao Príncipe Dom Luiz, que hoje podemos propagar livremente as ideias monarquistas, com objetivo de que um dia o Brasil retorne aos tempos de glória do Império, onde o Imperador – Soberano que deve sua posição somente a Deus e à História – poderá zelar, como um pai amoroso e cuidadoso, por todos os brasileiros, ao mesmo tempo em que irá fiscalizar os políticos, impedindo os abusos do Parlamento, coisa que o Monarca faria com usando o essencial Poder Moderador.

Por isso mesmo, todos aqueles que são verdadeiros monarquistas devem ser leiais ao Chefe da Casa Imperial e seus legítimos sucessores. Aqueles que questionam a legitimidade do Príncipe Dom Luiz não passam de agitadores, mentirosos subversivos, hipócritas e verdadeiros prostitutos intelectuais, a quem os verdadeiros monarquistas não devem dar ouvidos. Devemos cerrar nossas fileiras em torno de nosso legítimo Imperador, numa verdadeira “Gesta Dei per brasilienses”.

Segue-se a carta:
São Paulo, 7 de setembro de 1987

Senhores Constituintes

É na condição de Chefe da Casa Imperial do Brasil que tenho o prazer de me dirigir a V. Exas., e o faço neste 7 de setembro que transcorre numa conjuntura histórica realmente digna de nota. De um lado, já estamos a poucos meses do 100º aniversário da libertação dos escravos, e a dois anos apenas do centenário da proclamação da República; de outro lado, o Brasil se encontra presentemente numa encruzilhada decisiva, como talvez nunca tenha havido em sua História.
— I —

1822-1987 — CONTINUIDADE DA AÇÃO HISTÓRICA DA CASA IMPERIAL

Posso afirmar com ufania que, nos 67 anos de regime monárquico, como nos quase 100 anos de vigência do regime republicano, a Família Imperial aproveitou todas as oportunidades ao seu alcance para bem servir o Brasil. E que sempre o fez dentro da mais estrita legalidade.

Seja-me dado mencionar, a esse propósito, vários fatos significativos, posteriores à proclamação da República e muito conhecidos a seu tempo no Brasil, mas que o correr dos anos, agitados pelo torvelinho do viver moderno e pela dramaticidade das crises e guerras internacionais, fez esquecer gradualmente.

Se, ao fazê-lo, eu me detenho nestes ou naqueles pormenores, peço que os Srs. Constituintes vejam nisso o comprazimento com que narro o indefectível devotamento de meus ancestrais pela Terra de Santa Cruz, devotamento esse que é para mim um programa de vida.

O exemplo de D. Pedro II

A inteira disponibilidade para o serviço da Pátria, e ao mesmo tempo a observância meticulosa das leis vigentes, já caracterizaram a conduta de meu trisavô D. Pedro II, no decurso do breve tempo em que sobreviveu ao golpe de 15 de novembro.

É clássica a página de Affonso Celso, narrando seu último encontro com o velho Monarca, num hotel modesto de Versailles:

"A palavra de D. Pedro II (...) palpitava de ardor, a que o seu venerando aspecto, a sua autoridade moral, os nobres impulsos a que obedecia, comunicavam eloqüência irresistível.

"— Quanto a voltar, continuou (...), se me chamarem estou pronto. Seguirei no mesmo instante e contentíssimo, visto ser útil ainda à nossa terra. Mas se me chamarem espontaneamente, notem. Puseram-me para fora... Tornarei se se convencerem de que me cumpre tornar. Conspirar, jamais. Não se coaduna com a minha índole, o meu caráter, os meus precedentes. Seria a negação da minha vida inteira. Nem autorizo ninguém a conspirar em meu nome ou no dos meus" ("O Imperador no Exílio", 2.ª edição, p. 57).

... seguido por sua filha, a Princesa Isabel

A mesma linha de conduta deliberou seguir minha bisavó, a Princesa Isabel, que jamais incentivou nem autorizou qualquer tentativa de restauração monárquica por meios violentos. Sendo de piedade notória, ela continuou concorrendo com o valor de suas preces para que nosso País prosseguisse nas vias gloriosas da Civilização Cristã, rumo à peculiar grandeza — também cristã — que ela sabia ser o destino especifico de nossa Pátria.

Por outro lado, interpôs ela toda a sua influência junto aos meios eclesiásticos da França, onde vivia com seu esposo o Conde d'Eu, para que no célebre santuário do Sagrado Coração de Jesus, erguido em Paray-le-Monial, centro de convergência da piedade dos católicos de todo o mundo, estivesse presente o Brasil, por uma placa impetratória que ficou aposta a um dos muros desse lugar sagrado.

Igualmente foi por iniciativa dela, e por seu intermédio, que o Episcopado brasileiro enviou, em 1901, uma súplica ao Papa Leão XIII, pedindo a proclamação do dogma da Assunção de Maria Santíssima.
Encaminhando ao Pontífice a mensagem dos Bispos do Brasil, escrevia minha bisavó: "Longe de minha Pátria, sinto-me feliz ao menos por trabalhar pelo que nela pode fortificar a Fé" (carta de 6-6-1901).

Dessa forma, o Brasil juntava sua voz ao clamor universal dos fiéis, para que mais um título de glória da Santa Mãe de Deus fosse solenemente proclamado pela Igreja. Quase meio século depois, a 1.º de novembro de 1950, Pio XII houve por bem definir, como dogma de Fé, a Assunção corpórea de Maria aos céus.

Generosa e caritativa que era, a Princesa Isabel destinava parte de seus apenas suficientes recursos ao socorro dos pobres e doentes. Os pedidos que lhe chegavam do Brasil, muito numerosos, eram preferencialmente atendidos, com discrição e solicitude.

... e também pelo Conde d'Eu e por seus filhos

Ela fez questão de educar num acendrado amor à nossa Pátria os seus três filhos. Isso explica que, declarada a Primeira Guerra Mundial, dois deles que se encontravam em condições de combater se inscrevessem sob a bandeira inglesa, na persuasão de que, cedo ou tarde, o Brasil haveria de ingressar no conflito, e que dessa maneira eles se antecipavam no serviço de sua terra.

Meu bisavô, o Conde d'Eu, lembrado dos saudosos anos em que, como Marechal do Exército brasileiro, comandara nossas tropas na Guerra do Paraguai, não hesitou em inscrever-se na guarda cívica em que se alistavam franceses de idade avançada, dispensando assim o serviço de jovens que podiam acorrer aos campos de batalha. Era com emoção — confessou em carta ao historiador Max Fleiuss — que ele esperava o momento em que as tropas brasileiras chegariam à Europa, para se juntarem aos exércitos aliados.

O "Príncipe Perfeito": intenso anelo de visitar o Brasil

Meu avô, o Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança, apesar de já casado e pai de três filhos, serviu nas linhas avançadas da frente belga, participou ativamente de diversas batalhas e veio a falecer, em março de 1920, com apenas 42 anos de idade, em consequência de um reumatismo ósseo contraído nas trincheiras geladas do Yser. Por seu desempenho heróico foi citado em ordem do dia do Exército francês e condecorado, a titulo póstumo, pela França, pela Bélgica e pela Inglaterra.

Durante as operações bélicas, freqüentemente ia, a serviço, ao quartel general de seu primo Alberto I, o rei dos belgas. Nas conversas que então com este mantinha, mostrava meu avó um tão alto espírito cívico e patriótico, que "o Rei Cavaleiro" — como era chamado Alberto I — dele disse ser o mais perfeito príncipe da Europa. Daí ficar ele conhecido, no Brasil, como "o Príncipe Perfeito".

Já antes da Guerra, em 1907, seu zelo patriótico se manifestara durante a malograda viagem ao Brasil, empreendida com a esperança de visitar a nossa Pátria. Impedido de desembarcar no Rio de Janeiro pelo governo Affonso Pena — que se baseou em parecer de Ruy Barbosa — meu avô recebeu a bordo incontáveis visitas de brasileiros, e pôde novamente contemplar saudoso o panorama incomparável da baía de Guanabara, o qual haveria de descrever nas páginas emocionantes de "Sob o Cruzeiro do Sul".

Tal foi a repercussão que teve em nosso País esse livro, que seu autor chegou a ser candidato à vaga aberta na Academia Brasileira de Letras pela morte do Almirante Barão de Jaceguai. E apesar do insuspeito voto favorável de Ruy Barbosa, em razão de circunstâncias políticas sua eleição não se concretizou.

Frustrada assim a razão principal da viagem, prosseguiu meu avô seu peregrinar por outros países da América do Sul — Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Paraguai e Uruguai — com o seu coração e o melhor de suas atenções permanentemente voltados para as fronteiras do Brasil. E não encontrou sossego senão quando, devendo deslocar-se de Puerto Suárez, na Bolívia, à localidade paraguaia de Bahia Negra, conseguiu licença para percorrer uma parte do rio Paraguai que atravessa o território mato-grossense. A licença, porém, foi-lhe concedida com o prévio compromisso de honra de não tomar vapor que arvorasse a bandeira nacional, e de não desembarcar em solo pátrio. Com dor de alma, meu avô cumpriu conscienciosamente ambas as condições.

Quanto a seu irmão mais moço, o Príncipe D. Antonio, também ele faleceu ainda em serviço militar, num avião caído perto de Londres ao final do conflito.

A Princesa Isabel e o Pai da Aviação

Enquanto esses fatos transcorriam, a Princesa Isabel ocupava o pouco que lhe restava viver, pensando com saudades no Brasil, e mantendo larga correspondência com pessoas de sua amizade que ela deixara aqui ao ser exilada. Seus salões estavam sempre abertos para os inúmeros brasileiros que a procuravam em suas residências de Boulogne-sur-Seine e do Castelo d'Eu.

Muito relacionado com a Família Imperial no exílio foi, por exemplo, Santos Dumont, o Pai da Aviação. Sentia-se minha bisavó ufana por ver um brasileiro vencer o desafio da navegação aérea. E estendia a ele o sentimento maternal que tinha por todos os brasileiros: preocupava-se pelo inventor, rezava fervorosamente por ele quando de seus arriscados vôos nos céus de Paris, e tinha especial gosto em lhe mandar saborosos farnéis, para que se alimentasse, no parque de Bagatelle, sem precisar interromper os treinamentos.

Retorno à Pátria saudosa

Em setembro de 1920, uma benemérita decisão do Presidente Epitácío Pessoa revogou a "lei do banimento", e autorizou a trasladação, para o Brasil, dos restos mortais de D. Pedro II e da Imperatriz D. Teresa Cristina.

As condições de saúde de minha bisavó — a essa altura já muito precárias — não mais lhe permitiram atravessar o Oceano, como desejava. Mas acompanhando os veneráveis despojos veio o Conde d'Eu, juntamente com D. Pedro de Alcântara, o dileto filho que a Guerra poupara. Aqui permaneceram até fevereiro de 1921.

A 14 de novembro do mesmo ano, expirava tranquilamente no Senhor a Princesa Isabel. A gratidão e as bênçãos do elemento servil libertado lhe foram, com certeza, de grande valia aos pés do trono de Deus.

No ano seguinte, viajaram os meus novamente ao Brasil, a convite do mesmo Presidente Epitácio Pessoa, a fim de participarem das comemorações do centenário de nossa Independência, sendo recebidos, por aquele insigne estadista, com expressivas manifestações de seu apreço enquanto Chefe de Estado, e de seu valioso devotamento enquanto ardoroso brasileiro, bem como por sua nobre esposa, D. Mary Pessoa.

Tornando as circunstâncias possível que aqui voltassem a residir permanentemente os membros da Família Imperial, foram estes regressando, com gáudio de alma, à sua Pátria, e hoje aqui vive toda a descendência masculina de D. Pedro II.

Meu Pai, agricultor, chefe de família e artista — antes de tudo brasileiro de acendrado amor a Pátria

Meu Pai, D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança, primogênito do Príncipe D. Luiz, nasceu em 1909, no exílio, e foi batizado com água levada do Chafariz do Largo da Carioca. Herdou ele diretamente de sua avó, a Princesa Isabel, a Chefia da Casa Imperial do Brasil, uma vez que seu pai já era falecido quando a Redentora encerrou seus dias. Chegado ao Brasil, dedicou-se desde logo à agricultura, que exerceu com empenho no Paraná e depois no Estado do Rio de Janeiro.

D. Pedro Henrique tinha plena consciência de que, se não era oportuno que desenvolvesse aqui um papel político, restava-lhe porém um grande papel de ordem social a desempenhar. Pois a sociedade brasileira como um todo —incluída nessa designação todas as classes sociais -- sempre conservou admiração e respeito para com a Família Imperial, o que se pode afirmar, sem distinção de colorido político, tanto dos brasileiros republicanos, quanto dos que continuaram fiéis à causa monárquica.

Meu Pai deu ao Brasil o exemplo, não tão freqüente em nosso País e em nossos dias quanto seria de desejar, de um chefe de família modelar, que com sua esposa, minha Mãe a Princesa D. Maria da Baviera de Orleans e Bragança, nos ensinou — a mim e a meus onze irmãos e irmãs — que nós, mais ainda do que quaisquer outros brasileiros, temos pesadas obrigações para com a Pátria, e devemos estar dispostos a servi-la em qualquer campo e em qualquer momento que isso nos seja pedido.

Sendo dotado de notável sensibilidade artística, meu Pai passou os últimos anos de vida em seu atelier, empenhado em pintar aquarelas sobre motivos da arquitetura tradicional brasileira. Pode-se dizer que ele foi um dos propulsores da sadia tendência que hoje se faz notar em certos meios culturais e artísticos brasileiros, no sentido de valorizar e preservar a assim chamada "memória nacional".

Até falecer, em 1981, prosseguiu ele a mesma linha de conduta que caracterizara seus antecessores. Sem embargo da inalterável disposição de servir o Brasil, manteve modelar observância das leis vigentes, e se absteve sistematicamente de toda tentativa de perturbação da ordem legal em nome de um sentimento monárquico por certo muito legítimo e digno de respeito, mas cuja efetividade política deveria ser guardada para melhores dias.

A Família Imperial integrada no Brasil de nossos dias

Foi nesse espírito que, à uma, a Família Imperial participou das cerimônias de trasladação dos despojos da Imperatriz D. Leopoldina, para o monumento nacional do Ipiranga, em 1954; da Princesa Isabel e do Conde d'Eu, para a Catedral de Petrópolis, em 1971; do Imperador D. Pedro I para o monumento do Ipiranga — onde tanto merecia repousar o proclamador de nossa Independência — em 1972, durante os festejos do sesquicentenário da Independência; e, em 1982, dos restos da Imperatriz D. Amélia, e de sua filha a Princesa D. Maria Amélia, também para o Ipiranga. Uma abstenção da Família Imperial poderia deslustrar essas cerimônias, conferindo-lhes um caráter político que reavivasse discórdias sobre as quais o tempo havia deixado cair a sua pátina. De modo algum a Família Imperial quereria contribuir para que um efeito desses se produzisse. Sem qualquer ressentimento pelo passado, associou-se às autoridades que então exerciam o poder, na oração por aqueles ilustres mortos, e na participação das cerimônias comemorativas que elas haviam organizado.

— II —

MEU CONSEQUENTE APELO AOS SRS. CONSTITUINTES

Essa seqüência de fatos, com os respectivos pormenores, ajuda-me a externar como sinto as circunstâncias em que presentemente se encontra o nosso País. E como me acho obrigado, por um dever de honra, a tomar a atitude que agora tomarei.

O Brasil em um conjunto de crises, e a Assembléia Nacional Constituinte

O Brasil atual se está debatendo não propriamente numa crise, mas numa convergência de crises de ordens diversas — morais, sociais, econômicas — que constituem um só torvelinho o qual vai agitando a nação de ponta a ponta. A esse conjunto de crises não falta sequer a crise religiosa, ocasionada por divergências que se pronunciam, infelizmente, em nível mundial na Santa Igreja, e vão repercutindo cada vez mais em nossa população tão católica.

Nunca, em seus 165 anos de vida independente, o País esteve numa encruzilhada tão decisiva. Do rumo que ele tomar agora — e, permitam-me os Srs. Constituintes que o diga, do rumo no qual o guiarem V. Exas. —dependerá não só o futuro próximo do Brasil, mas também, em uma perspectiva histórica de mais longo prazo, todo o grandioso porvir que o espera nos séculos vindouros.

Ante a eventualidade de plebiscito sobre a forma de governo

É precisamente nessa emergência — a qual eu vinha acompanhando com natural reserva, mas profundamente atento — que recebo a comunicação de que brasileiros em número não pequeno, tendo à sua testa a figura relevante do Deputado Cunha Bueno (PDS-SP), apresentaram um abaixo-assinado à Assembléia Nacional Constituinte, no qual, abstração feita de questões dinásticas, pedem um plebiscito a respeito da forma de governo que deva ser adotada em nosso País, cabendo três opções: a república presidencial, a república parlamentar e a monarquia parlamentar. Esse referendo seria realizado em 1993, após terem os propugnadores de cada forma de governo podido, com toda a liberdade inerente às atuais instituições, defender junto à opinião pública suas idéias.

De mais de um lado foi-me solicitado dar minha opinião sobre esse abaixo-assinado, promovido por beneméritas entidades dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, e ao mesmo tempo a manifestar à Constituinte minha solidariedade com ele.

O que equivale a dizer que uma parcela dos monarquistas e, mais amplamente, dos brasileiros, deseja que eu me manifeste.

Argumentam eles que a presente conjuntura me pede mais do que a reserva que as circunstâncias haviam indicado a meus maiores. Reunida a Assembléia Nacional Constituinte, está ela investida, segundo a doutrina jurídica vigente, de poderes soberanos. E, no exercício desses poderes, pôs-se ela ao alcance de todos os brasileiros para lhes ouvir a voz e lhes conhecer os anseios.

Na condição de continuador de linhagem tão intimamente unida à História da Pátria, e por isso mesmo destinada ao serviço desta por um liame de natureza histórica e afetiva superior até mesmo a quaisquer cogitações políticas, consideram esses abnegados brasileiros que, neste momento, não me devo calar. E bem vejo que lhes assiste toda a razão.

Este é o motivo pelo qual, Srs. Constituintes, eu me dirijo a V. Exas., a fim de lhes manifestar alguns desejos apresentados com simpatia e apreço.

Em meio à convulsão universal, os anseios de um povo cristamente altaneiro e bom

Estou persuadido de que nosso povo, altaneiro, religioso e bom, nada tem de comum com as vozes enganadoras que de todas as partes se levantam, fazendo ouvir sentimentos de discórdia e anseios de convulsão.

Não é em direção ao que elas apontam que o Brasil deve rumar. A medida em que a dureza das circunstâncias internacionais presentes vai acirrando os ânimos, o povo brasileiro resiste ao convite universal para a concorrência, para a rivalidade e para um desfecho de proporções apocalípticas. E lhe resiste, não só porque tal é seu interesse — e, bem entendido, é seu direito incontestável — mas porque ele é cristão e bom, e em todas as circunstâncias o primeiro impulso de sua alma é a procura da concórdia, sob o bafejo do afeto.

Unidade e continuidade histórica brasileiras, ameaçadas por exorbitante interpretação do passado

Não permitam, Srs. Constituintes, que por razão alguma se dilacere em disputas artificiais e acres nossa unidade nacional. O que indubitavelmente se daria caso se consentisse no retalhamento de nosso País para a formação de como que "nações" encravadas na nossa, portadoras de uma herança étnica e cultural apresentada como se, em muitos de seus aspectos, fosse insusceptível de integração harmônica no Brasil. A tal o convidam teólogos e sociólogos, pensadores sem tino, entre os quais não falta até quem malsine a hora em que as caravelas com a Cruz de Cristo abordaram nosso litoral, trazendo com os missionários as bênçãos, as promessas e as riquezas espirituais e culturais da Civilização Cristã. E quem ademais vê como transgressores do direito de propriedade dos povos que aqui estavam, os bravos lusos que, ao ocuparem as imensidões ermas de nosso território, cumpriam o preceito divino "Crescei e multiplicai-vos, povoai toda a terra" (Gênesis, I, 28).

Proteção ao querido povo indígena, manutenção de suas características, tudo isto lhes desejo para que, sem se dissolverem na Pátria comum, sejam elementos positivos para a caracterização dessa fraternal soma de raças e de povos que é chamado a ser o Brasil.

A luta de classes, via que o Brasil inteiro rejeita

Igualmente recuso-me a ver nas relações entre capital e trabalho uma liça de atritos cada vez mais agressivos. Injustiças as há onde quer que existam homens. E cumpre que todos — os legisladores quiçá mais do que ninguém — tratem de as extirpar. A erradicação das injustiças não pode, porém, ter como rota a luta de classes, em que elas se acirram, e caminham para se tornar fratricidas. Isto, de alto a baixo de sua estrutura sócio-econômica, os brasileiros não o querem. A luta de classes não é a substância das relações capital-trabalho, mas sim a degenerescência delas. Sobram-nos os recursos para com sagacidade, firmeza e prudência, aperfeiçoar cada vez mais — no âmbito da propriedade privada e da livre iniciativa, aprimoradas pela observância das respectivas funções sociais — relações inspiradas pela justiça e pela caridade cristãs. O que peço a V. Exas. é a colaboração de todos para essa meta comum.

Há nisto uma utopia, poderão objetar, rindo-se, patrícios nossos inspirados por influências alienígenas.
Mas minha resposta é que se o Estado não extravasar de suas atribuições, se ele defender a propriedade privada e a livre iniciativa, se ele favorecer a caridade e se, sobretudo, ele franquear ao trabalho dos pobres seu latifúndio imenso de terras devolutas, ser-lhe-á possível resolver uma questão social que tantos se empenham em pintar com cores exageradamente negras, para apresentá-la como irremediável sem uma convulsão sócio-econômica.

Reformas injustas e liberticidas — temerário minguamento das atribuições das Forças Armadas

A liberdade... quanto se fala dela! E quantos pensam caminhar em direção a ela, mas de fato andam rumo à tirania! A partir do momento em que o Poder Público, por sucessivas reformas — agrária e urbana, esta última tanto aplicada a bens fundiários quanto industriais e comerciais — esteja investido do suposto direito de desapropriar a preço vil quaisquer terras, imóveis urbanos ou empresas do Pais, quem, no Brasil, continuará a ser verdadeiramente livre?

E se porventura se retirarem a nossas Forças Armadas sua natural atribuição de garantir a ordem interna, a quem se dará liberdade, senão à mazorca e até à revolta?

Não é o caso de entrar em mais pormenores. Esses poucos pontos, a que aludo como que de passagem, bem indicam o rumo geral que desejo para nossa Pátria.

A liberdade de ação monarquista, num Brasil em que até a propaganda comunista é livre

E esta liberdade que desejo para todos, desejo-a também para aqueles dentre os brasileiros que se voltam para mim neste momento, com especial esperança de apoio e de orientação.
Não lhes seja negada agora, Srs. Constituintes, a liberdade que V. Exas. se gloriam de ver reconhecida a toda a nação, e isto a tal ponto que, mesmo a homens que se destacaram na luta por vezes cruenta da mais extremada esquerda, ela é reconhecida. E lhes estão franqueadas funções das mais altas no Estado.

Assim, aos que seguem a linha de pensamento pacífica, ordeira, impregnada de espírito de colaboração como são os monarquistas, não sejam vedados na nova Constituição direitos iguais aos que são concedidos aos mais impetuosos dentre os comunistas.

Com efeito, estou persuadido de que há todas as razões para admitir que o regime monárquico atua, de per si, do modo mais eficaz para ajudar o Brasil a que saia com felicidade do conjunto de crises que ameaçam submergi-lo. E penso que, para todos os brasileiros animados por tal persuasão, é um direito e é um dever atuar no sentido de que esse regime se estabeleça no Brasil.

Estou de acordo, pois, em que devemos pedir à atual Constituinte que não inclua, no futuro texto constitucional, a "cláusula pétrea" que foi fixada na Constituição de 1891. Essa cláusula proibia, como sabem V. Exas., que fosse objeto de consideração do Legislativo qualquer proposta de modificação da forma republicana de governo (art. 90, § 4.º). O mesmo dispositivo foi inexplicavelmente repetido pelas Constituições de 1934 (art. 178, § 5.º), de 1946 (art. 217, § 6.º) e pela de 1967, atualmente em vigor (art. 47, § 1.º). Essas Constituições, que reconheciam a todos os brasileiros, sem nenhuma distinção, o direito de manifestar livremente o seu pensamento, de fato faziam uma distinção, excluindo uma categoria deles. Eram os monarquistas, impedidos discriminatoriamente de se organizarem e de trabalharem legalmente para a vitória de sua causa por via eleitoral.

O "apartheid" ideológico contra os monarquistas contradiz o regime republicano

Esse singular "apartheid" ideológico se torna, no Brasil de hoje, tanto mais incoerente quanto o regime de Abertura foi constituído sob o lema da repulsa a todas as discriminações e "apartheids". A manutenção da referida "cláusula pétrea" no Brasil atual não tem, portanto, a menor razão de ser.
Quando o Império era vigente, aliás, tal discriminação não se suportaria contra os republicanos, que aqui gozavam de toda a liberdade. Se coisa diversa acontecesse, muitos dentre os próprios monarquistas haveriam de cerrar fileiras em torno de seus adversários políticos, para que tal liberdade lhes fosse concedida.

Como explicar que o regime republicano — o qual se pretende ainda mais cioso das liberdades do que o regime monárquico — tolha entretanto à causa monárquica o direito de existir no coração de muitos brasileiros, de se propagar e de disputar ante o Pais livre as preferências para si mesma? Não é isto amordaçar o Pais, impedindo-o de escolher seus rumos quando e como ele quiser?

A "cláusula pétrea": para os monarquistas, amordaçamento discriminatório, para os republicanos, desprestigio

À vista das circunstâncias aqui expostas apresento, pois, à Assembléia Nacional Constituinte este pedido: que em nossa nova Carta Magna não seja mantida a "cláusula pétrea" que consta do Substitutivo ao Projeto de Constituição atualmente em tramitação (art. 92, § 4.º, II).

A ser recusada a liberdade a que temos direito, que resultaria disso? Para os próprios republicanos, apenas desprestígio aos olhos da opinião mundial. Pois ficaria patente que, decorrido quase um século da proclamação da República, esta última ainda não sente arraigo popular suficiente para ser coerente consigo mesma e enfrentar sem apreensões a oposição monárquica. O que a mostraria consciente de que esse espírito monárquico ainda lateja no fundo do coração de incontáveis brasileiros.

Por outro lado, a inocuidade da aludida discriminação se revela pelo próprio fato de que, em 1987, quase nos umbrais do século XXI, ainda a solução monárquica se apresenta à Constituinte como uma eventualidade. Como uma eventualidade para a qual olha com esperança, ou com uma interrogação carregada de simpatia, um crescente número de brasileiros. Não prova isso, mais do que qualquer outro argumento, o quanto foi contraproducente aquela medida de rigor? Por que mantê-la então?

* * *

Na esperança de que V. Exas., Srs. Constituintes, ponderem os argumentos aqui expostos e tomem em consideração esses meus anelos, manifesto-lhes desde já meu agradecimento. Incontáveis brasileiros, monarquistas ou não, não compreenderiam da parte de V. Exas. outra atitude. E não só eles hoje, mas a História amanhã, não lhes regatearão aplausos se V. Exas., coerentes consigo mesmas, reconhecerem a liberdade de ação dos brasileiros monarquistas.

Peço a Deus que ilumine os Srs. Constituintes, para que dotem nosso País de uma Constituição realmente condizente com os sagrados direitos e os altos interesses de nossa Pátria.

Luiz de Orleans e Bragança

Nenhum comentário: